domingo, 22 de março de 2009

Deus da Razão...Parte I

Conselho de Thomas Jefferson ao seu sobrinho: “Joga fora todos os medos de preconceitos servis, sob os quais as mentes dos fracos se curvam. Coloca a razão firmemente no trono dela, e apela ao tribunal dela para todos os fatos, todas as opiniões. Questiona com coragem até a existência de Deus; porque, se houver um, ele deve aprovar mais o respeito à razão que o medo cego.”



Como havia imaginado, meu post sobre a pretensa “sacralidade” da Bíblia causou certo mal estar entre alguns amigos e conhecidos (e é curioso como as reações são sempre focadas nas supostas “ofensas” feitas por mim, e que ninguém sequer tenha tentado responder as perguntas ali colocadas). E vou voltar ao tema Religião também porque esse assunto sempre surge, e pra minha infelicidade eu não consigo simplesmente dizer “sou católico não-praticante”. Então resolvi escrever algo definitivo sobre o que eu penso a esse respeito, e quando alguém quiser se aprofundar, darei o endereço do blog...

Primeiro de tudo eu acho importante deixar bem claro: não existe razão objetiva alguma para tratar esse assunto com mais “respeito” do que qualquer outro assunto. Não existem noções “sagradas”, ou incriticáveis. Se eu posso discutir abertamente minhas opiniões sobre política, futebol, sexo, arte, etc, seria absurdo imaginar que minha opinião sobre a origem do Universo e seus mitos de criação seja algo “de foro íntimo”. Devo manter reserva, pois as pessoas “se ofendem”. Eu respeito todas as opiniões, mas rejeito completamente a noção de que esse assunto não deve ser debatido, como outro qualquer. Quem pensa diferente, e se “magoa” facilmente nesse tipo de debate, por favor não leia daqui pra frente, contente-se em saber que sou um cristão não-praticante, e poderemos discutir futebol...

Eu acredito que a questão que mais separa os “descrentes” dos crentes não é bem a possibilidade da existência de um ser sobrenatural que tudo criou, mas o “tipo” de ser que ele seria. Para alguns (como eu), mais importante que saber se ele existe ou não, é a busca pela explicação verdadeira. Eu entendo que qualquer ser digno de ser considerado “superior” obrigatoriamente valoriza o uso da razão. Imaginar um ser que cria todo esse complexo universo, e que observa esse maravilhoso processo de desenvolvimento que levou ao surgimento de seres vivos capazes de QUESTIONAR sua magnífica obra, e por questionarem tanto desenvolvem ferramentas e métodos capazes de investigar, ou seja, esforço e dedicação da criatura buscando entender a mente do criador, e acreditar que esse ser não sinta orgulho disso...pelo contrário, imaginar que esse ser valoriza a crença cega, valoriza o cordeiro que segue mansamente as ordens de seu pastor...que simplesmente ACREDITA, mesmo em coisas absolutamente contraditórias...Convenhamos, é necessária uma dose cavalar de irracionalidade para que levemos a sério uma doutrina (eu sempre cito a cristã, a qual conheço razoavelmente bem, mas o argumento serve pra muitas outras) na qual deus envia seu filho (que é ele mesmo), através de uma virgem (apesar da profecia da linhagem "Daviniana" de José...), para ser torturado por judeus (que Ele sabia seriam perseguidos por séculos por esse crime, que se não tivesse ocorrido arruinaria seu plano...), é morto na cruz para perdoar pecados ancestrais (de Adão e Eva, que certamente não existiram) e pecados que ainda iremos cometer (!!). Ele ressuscita (óbvio, ele era Deus), sua mãe não morre (seu corpo sobe aos céus...), eles “escutam” tudo o que nós pensamos (mas mesmo assim temos que confessar para os padres...), fazem milagres (supressão temporária das leis da natureza criadas por eles mesmos, a favor de uns poucos privilegiados) e devemos semanalmente beber seu sangue e comer seu corpo caso um pastor (que deve possuir testículos!) abençoe pão e vinho...Típico de um ser doente e extremamente imaginativo...Tudo isso pra perdoar nossos pecados? Eu aceitaria o perdão por muito menos...E se essa mitologia destrambelhada já não fosse suficiente, temos ainda o mistério da Trindade. Eu me assombro toda vez que leio esse trecho do livro do Dawkins...a Enciclopédia Católica deixa claro: “Na unidade da Divindade há três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, sendo que essas três pessoas são distintas umas das outras. Assim, nas palavras do Credo de Atanásio, o pai é Deus, o filho é Deus, o Espírito Santo é Deus, contudo não há três Deuses, mas um só Deus. Não há portanto nada que tenha sido criado, nada que tenha sido sujeitado a outro na Trindade: nem há nada que tenha sido acrescentado como se uma vez não tivesse existido, mas entrado depois: portanto o Pai jamais esteve sem o Filho, nem o Filho sem o Espírito Santo, e essa mesma Trindade é imutável e inalterável para sempre.” Nada como um argumento esclarecedor...alguém aí precisa de mais alguma coisa antes de sair por aí adorando esse "Monoteísmo de três deuses"? Essa enciclopédia deve ser o supra-sumo da lucidez e clareza...
Dá para ser católico (ou evangélico, judeu, islamita...) e racional ao mesmo tempo? Eu acredito que não...
Santo Agostinho disse: “Existe outra forma de tentação, ainda mais cheia de perigo. É a doença da curiosidade. É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da natureza, segredos que estão além da nossa compreensão, que nada nos podem dar e que nenhum homem deveria querer descobrir”. Martinho Lutero foi mais enfático: “A razão é o maior inimigo que a fé possui; ela nunca aparece para contribuir com as coisas espirituais, mas com freqüência entra em confronto com a palavra divina, tratando com desdém tudo o que emana de Deus. Quem quiser ser cristão deve arrancar os olhos da razão.”

Não, eu tenho certeza, Deus, caso exista, se orgulha dos céticos, daqueles que usam a razão e por isso exigem evidências para acreditar seja no que for. Nas palavras de Richard Dawkins: “Mas porque estamos tão dispostos a aceitar a idéia de que o que é imprescindível fazer, se se quiser agradar a Deus, é acreditar nele? O que há de tão especial em acreditar? Não é igualmente provável que Deus recompense a bondade, a generosidade, a humildade? Ou a sinceridade? E se Deus for um cientista que considera a busca honesta pela verdade a virtude suprema? Aliás, o projetista do Universo não teria que ser um cientista? Você apostaria que Deus valorizaria mais uma crença fingida e desonesta (ou mesmo uma crença honesta) que o ceticismo honesto?”.
Não posso aceitar um deus que goste de ser adorado, que aprecie ver suas criaturas de joelhos, que valorize o temor e a reverência...muito menos um deus que cria uma doutrina que separa suas criaturas em grupos e estimula a segregação, destinando “futuros” bem diferentes a cada grupo. Me recuso a aceitar a superioridade de um ser que publica uma obra machista, preconceituosa, homofóbica, racista, que sob qualquer possível prisma estimula a acomodação, a aceitação, a cordeirice abestalhada. É inimaginável para mim que algo tão extraordinário como um deus se orgulhe de criaturas que abdicam da sua capacidade de raciocínio lógico, criaturas que ao lerem um post como esse se mostram absolutamente incapazes de respostas baseadas na razão, na argumentação racional...Impossível aceitar que ele, ao deparar com o não-argumento “São os mistérios da fé!”, pense: “que orgulho dessas minhas criaturas, encontram coisas inexplicáveis e se contentam com o mistério...que tolos aqueles que insistem em buscar respostas...em utilizar o cérebro com o qual eu os dotei...querem entender o universo em que vivem...mas já não está claro? Eu criei tudo em 6 dias, resolvi ficar um tempo observando e em breve vou recolher o que presta e eliminar o resto...”.
Não, me parece óbvio que ele, caso exista, é cientista e curioso, e vai me receber de braços abertos...

Marcelo Gleiser, do livro Poeira das Estrelas:
“A cosmologia moderna nos oferece uma nova perspectiva, um novo modo de pensar quem somos: somos a espécie que faz perguntas. É perguntando que criamos conhecimento, que mergulhamos com coragem no desconhecido, no mistério da criação. Somos todos irmãos, resultados de processos físicos e químicos que se estendem por bilhões de anos ao passado. Nossa inteligência, que nos permite saber tanto, é uma preciosidade a ser venerada, iluminando com sua luz incessante, a luz da dúvida, do querer crescer, a vastidão das distâncias cósmicas, frias, desertas. Se as estrelas geram a luz que torna a vida possível, somos nós que geramos a luz do saber.”

Um comentário:

  1. Fábio: Ontem, em uma das minhas aulas de Física, inventei uma questão de um romeiro que caminha durante horas, indo até Pirapora do Bom Jesus, a certa velocidade, e pedia para que os alunos calculassem a distância percorrida na caminhada. Sem querer, começou um papo sobre religião, e aí eu acho que não consegui disfarçar um tom de ironia a respeito do que penso sobre promessas, romarias, páscoa, quaresma.... Foi então que, de repente, um aluno me fulminou com a pergunta:
    - Professor: Você é ateu?
    Nunca ninguém havia feito a mim essa pergunta, e por ser inesperada, minha resposta foi meio evasiva. Desde criança, o deus que eu entendia existir era bem diferente daquele que a igreja e as religiões me mostravam. Sempre entendia deus como uma "coisa" minha, construída por mim mesmo, dentro da minha cabeça, e associava essa "coisa" com o infinito do Universo.
    Tenho uma absoluta certeza: Hoje sou totalmente contra qualquer tipo de religião e, por conseqüência, acredito que a Bíblia é um livro fantasioso criado por pessoas que não tinham nada de divinas, mas sim vários tipos de interesses, e Jesus, se é que existiu, deve ter sido no máximo um homem com boas intenções, que seriam as de melhorar as relações humanas, coisa que também quero muito.
    Não há sentido no termo “Guerra Santa”, usado pelos fundamentalistas islâmicos, nem para que o exército de Israel mate crianças na Faixa de Gaza, nem mesmo para que qualquer pessoa que se diga sucessor do apóstolo Pedro, vá até a África dizer que o uso da camisinha não evitará o avanço da AIDS naquele continente. São atos e pronunciamentos que deveriam ser considerados crimes conta a humanidade, e não melhoram o mundo, muito pelo contrário. Então, defender a existência desse deus religioso, ligado a todos esses crimes é no mínimo uma hipocrisia. Portanto, não fique chateado, meu caro, se muitas pessoas se dizem ofendidas com seus ataques à Bíblia e à qualquer religião, pois saiba que outros tantos compactuam com essa sua indignação. Não vou dizer a você que sou um ateu convicto, pois, segundo o próprio Dawkins, numa escala de ateísmo de 0 a 7, digamos que eu estaria como ele próprio se classifica, no 6, pois todo defensor da razão científica não pode afirmar com absoluta certeza que deus não existe, já que isso não pode ser provado, assim como a sua existência também não pode ser provada.
    E só para concluir, para mim, não há racionalidade no ato de pensar que carregar uma cruz nas costas até Pirapora, durante a Semana Santa, seria uma forma de retribuir a esse deus uma graça ou milagre alcançado. Se é que ele existe, e de acordo com os religiosos, é perfeito, não creio que aprovaria tal ato de sofrimento em troca de um favorzinho, como arrumar um emprego ou se curar de uma doença. Melhor seria agradecer ao amigo que indicou a vaga na indústria ou ao médico que receitou um remédio.

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